11 Sobrecarga

Versão 0.1.0 - 20/12/2025

O que fazer com tanto lixo, ainda mais com o imperativo de ter que encontrar o relevante dentro de uma imensidão de conteúdo indesejável? Como lidar com a sensação de que estamos deixando de saber coisas muito importantes que estão acontecendo, e que se não ficarmos a par sofreremos sérias consequências?

Se o regime incessante e avassalador da avalanche informacional opera para alijar humanos do processo, simultaneamente impera um entendimento tácito de que pessoas precisam “estar sempre bem informadas”.

A sobrecarga informacional não é um fenômeno recente. O desafio da assimilação, memorização e uso de mensagens atravessa os tempos105.

A “solução” mais difundida para esse dilema da sobrecarga informacional é a terceirização do processo de obtenção de informações que sejam relevantes. Seja confiando no trabalho da imprensa ou, mais recentemente, na utilização de processos estatísticos tais como aqueles chamados de “Inteligência Artificial” ou qualquer tipo de serviço de organização e recomendação106:

After “information theory” came to be, so did “information overload”, “information glut”, “information anxiety”, and “information fatigue”, the last recognized by the OED in 2009 as a timely syndrome: “Apathy, indifference, or mental exhaustion arising from exposure to too much information, esp. (in later use) stress induced by the attempt to assimilate excessive amounts of information from the media, the Internet, or at work.” Sometimes information anxiety can coexist with boredom, a particularly confusing combination. David Foster Wallace had a more ominous name for this modern condition: Total Noise. “The tsunami of available fact, context, and perspective” – that, he wrote in 2007, constitutes Total Noise. He talked about the sensation of drowning and also of a loss of autonomy, of personal responsibility for being informed. To keep up with all the information we need proxies and subcontractors.

Sem contar a renúncia política, mesmo essa delegação de atribuições tem sido insuficiente para aliviar a sensação de que sempre falta saber um pouco mais, já que agências de notícias e outros equipamentos informacionais competem entre si e dependem de manter a atenção das pessoas.

Não há como, dentro do que hoje mais ou menos se considera como “humano”, superar esse regime, e as pessoas já foram vencidas pela informação enquanto lixo: não há como “derrotar” a quantidade enorme de informação – a não ser que paradoxalmente passem a ignorá-la enquanto os fatos concretos e cotidianos da vida não obrigarem a se informar sobre acontecimentos.

É importante reconsiderarmos mal-estares tais como a ansiedade, neurose e paranóia sob a égide da informação, sobretudo agravadas pela sua sobrecarga. Arrisco, num relance, mas sem tentar esvaziar a psiquê num esquematismo empobrecedor através de sua “informatização”:

  • Neurose como infinita repetição de informações traumáticas – julgar já ter informações em excesso, insistindo em repeti-las, recusando-se a receber novas.

  • Paranoia da infinita suposição acerca de informações que não se tem, e acreditar sempre estar em falta de informação suficiente que confirme as próprias suspeitas sobre a operação do mundo contra si.

  • Ansiedade pela incapacidade de lidar com o regime informacional, tanto de informar quanto de receber – (in)suficiência. Mal dos tempos e intimamente ligada ao conceito de “informação”: tentar, mas não dar conta, de se informar e in-formar o mundo, o tempo todo, com a sensação de que não se informar implica na sua exclusão do mundo.

Todas parecem “compatíveis” entre si – um indivíduo pode sofrer de mais de uma ao mesmo tempo –, e uma reforça as outras: pode-se recusar informações de um dado conteúdo – para evitar “gatilhos” mentais – e buscar vorazmente outras, sentindo-se continuamente incapaz de “progredir” no conhecimento do mundo. Podem operar em alta frequência, acoplando-se à hiperexposição informacional, tendendo à confusão e à perda de efetividade107.

O excesso informacional redunda num assalto ininterrupto à atenção e ao desvio, à constante mudança de assunto, ou “contexto”, prejudicando o julgamento daquilo que é mais importante. É custoso para a mente mesmo sem considerar os efeitos da neurose, da paranoia e da ansiedade, cujo cansaço redunda em desatenção, dispersão e esgotamento – também chamado de “burnout”, a “queima mental” não somente pelo excesso de trabalho como pelo excesso de informação enviada e recebida.

Trago, da minha própria bagagem de superexposição informacional, três exemplos ficcionais que abordam esse esgotamento: um seriado de televisão, uma história em quadrinhos, e um filme:

  1. Os “Blipverts” da série Max Headroom108, que literalmente explodem o corpo telespectadores de tanta informação fornecida por 30 segundos de anúncios comerciais condensados em apenas três. A compressão da propaganda evitaria que a pessoa tivesse tempo para trocar de canal, mas acaba por estimular todos os seus neurônios.
  1. Os “Block Consumer Incentive Bursting” – ou “Buy Bombs” (bombas de propaganda) do quadrinho “Transmetropolitan”109: uma explosão sensorial que imediatamente causa fadiga e sono, e que se “desdobra” em sonhos patrocinados por empresas anunciando seus produtos.
  1. A “Síndrome da Atenuação Nervosa” (“Nerve Attenuation Syndrome” - NAS), patologia oriunda da sobrecarga informacional como alegoria mnemotécnica no filme “Johnny Mnemonic”110, que parece preconizar a situação do século XXI e que é apresentada numa cartela logo no início do filme:

    NEW CENTURY. AGE OF TERMINAL CAPITALISM.

    THE ARMORED TOWERS OF MULTINATIONAL CORPORATIONS RISE ABOVE THE RUINS OF DEMOCRACIES THAT GAVE THEM BIRTH.

    HACKERS, DATA-PIRATES, LOTEK MEDIA-REBELS ARE THE ENEMY, BORROWING LIKE RATS IN THE WALLS OF CYBERSPACE.

    A NEW PLAGUE CONVULSES THE CITY: NERVE ATTENUATION SYNDROME, INCURABLE, FATAL, EPIDEMIC, BRINGING FEAR AND MISERY AS OLD AS THE SPECIES ITSELF.

    BUT THE MOST PRECIOUS DATA IS SOMETIMES ENTRUSTED TO ELITE PRIVATE AGENTS, WETWIRED TO FUNCTION AS HUMAN DATA BANKS.

    MNEMONIC COURRIERS.

    A causa da síndrome seria a própria poluição difusa do aparato informacional111:

    So what does cause it?

    The world causes it.

    This causes it! [pointing to electronic devices]

    Information overload, all the electronics… poisoning the airwaves!

    Technological fucking civilization!

    But we still have all this shit, because we can’t live without it.

References

Bawden, David, e Lyn Robinson. 2008. “The dark side of information: overload, anxiety and other paradoxes and pathologies”. Journal of Information Science 35: 180–91. https://doi.org/10.1177/0165551508095781.
———. 2021. “Information Overload: An Overview”. https://doi.org/10.17613/N4B2-1W48.
Elis, Warren, e Darick Robertson. 1998. “Transmetropolitan 5”. DC Comics.
———. 2009. “Transmetropolitan 1-6”. DC Comics.
Gibson, William, e Robert Longo. 1995. “Johnny Mnemonic”. https://www.themoviedb.org/movie/9886-johnny-mnemonic.
Gleick, James. 2011. The Information: A History, a Theory, a Flood. Pantheon.
Jankel, Annabel, e Rocky Morton. 1987. “Max Headroom”.

  1. Um texto excelente sobre o assunto é “Information Overload: An Overview”, de Bawden e Robinson (2021).↩︎

  2. Gleick (2011) Cap. 15.↩︎

  3. Em “The dark side of information: overload, anxiety and other paradoxes and pathologies”, Bawden e Robinson (2008) enumeram alguns dos problemas adquiridos: “loss of identity and authority, emphasis on micro-chunking and shallow novelty, and the impermanence of information”.↩︎

  4. Jankel e Morton (1987). Max Headroom é a representação de uma “Inteligência Artificial” tornada âncora televisiva, irônica, sarcástica e caricata.↩︎

  5. Elis e Robertson (1998) págs. 20-21; também em Elis e Robertson (2009) págs. 118-120.↩︎

  6. Gibson e Longo (1995). Resumindo a história, para quem não quer passar pela sobrecarga e surpresa de assistir: o filme mostra um mundo não somente sobrecarregado de informação como sobrecarregado de tecnologia, ambas basicamente na forma de lixo. Johnny está sobrecarregado informacionalmente… e o conteúdo desta sobrecarga é… a própria informação da cura da doença causada pela sobrecarga!↩︎

  7. Gibson e Longo (1995), aos aproximadamente 00:48:00 da versão japonesa.↩︎