22 Oclusão
Versão 0.1.1 - 21/12/2025
22.1 Compreensão
Informação não é a causa final de todos os males aqui descritos, mas um aspecto deles. É uma máquina na mente, no sentido de Cauquelin (2023), causada e causadora da explosão informacional.
O otimismo de uma Era da Informação afluente agora revela-se como projeto fracassado.
Se a analogia entre forma e fogo nos ensina algo, sobretudo, é que estamos involuntariamente alimentando a fornalha de uma maquinaria requerendo sempre mais combustível.
Não podemos mais depender tanto de sistemas de informação que roubam nosso tempo, nossa atenção, nossa concentração e até nossas vidas.
Se o “Anjo da História” de Walter Benjamin pode ser entendido como um dispositivo informacional, ou “anjo” que recebe os sinais de uma história assombrosa e assombrada pelo espectro da informação, é importante também retomar a crítica benjaminiana da própria informática247 para pensar numa alternativa composta por encontros presenciais conectados por viajantes, em redes de confiança. Ir a lugares, conversar com as pessoas, entender como estão as coisas, voltar e contar as histórias para quem não viajou.
Talvez boa parte de nós tenhamos deixado de ser viajantes contadoras de história. E grande parte nunca teve essa oportunidade. Precisamos de encontros, viagens e redes de relação de confiança que inclusive tenham baixo impacto de carbono e lítio.
Ou seja, precisamos é melhorar as trocas – comunicação, educação etc – baseadas no contato pessoal não mediado, ou não excessivamente mediado – pela aparelhagem.
Cientistas e profissionais da filosofia, dentre outros, tem tentado salvar o conceito de Informação, e até mesmo salvar o de Filosofia para não ser dominado pelo de Informação. Floridi (2008) dá um passo nessa direção ao sugerir que invertamos a questão da possibilidade de ser formulado em termos informacionais, mas sim como seria esse algo caso não tivesse um caráter informacional248:
The best way of avoiding this loss of identity is to concentrate on the first half of the definition [philosophy of information as “he critical investigation of the conceptual nature and basic principles of information, including its dynamics, utilisation and sciences”]. PI [Philosophy of Information] as a philosophical discipline is defined by what a problem is (or can be reduced to be) about, not by how the latter is formulated. Although many philosophical issues seem to benefit greatly from an informational analysis, in PI one presupposes that a problem or an explanation can be legitimately and genuinely reduced to an informational problem or explanation. So the criterion to test the soundness of the informational analysis of x is not to check whether x can be formulated in informational terms but to ask what would be like for x not to have an informational nature at all. With this criterion in mind, we shall now review some of the most interesting problems in PI
Indo na direção oposta, há até quem defenda que tudo seria informação – inclusive o tecido da própria physis –, almejando elevá-la ao Uno ontológico, isto é, à categoria ontológica raíz. Mas, ao fazerem isso, acabam por esvaziá-la que qualquer sentido – pois já não seria capaz de diferenciar o que é informação do que não é.
“Informação” é um conceito que, ao mal atingir seu ápice já se projeta para um em descenso. Ele já não informa, ele é insuficiente. Precisa ser ressignificado, ou destruído. Se não entendermos este processo, dificilmente teremos condições de pará-lo, ou de ao menos escapar dele.
É importante revalorizar a inteligência dos seres, ao contrário da tendência por equipará-la a parâmetros informáticos como inteligência, buscando assim uma comunicação efetiva que também contenha proteções contra todos esses ataques e modos de agir deletérios dentro de um mundo poluído.
22.2 Resumo
Um breve resumo da transformação da palavra informação seria o seguinte:
Da informação do mundo e das coisas para a informação da mente, momento em que informação começa a se relacionar com inteligência.
De informação da mente para a informação sobre as coisas. Informação e inteligência no seu máximo acoplamento.
Finalmente, de informação sobre para uma entidade existente por si própria, informação que, assim desacoplada de qualquer elemento material, pode ser manipulada, transmitida, recebida e sobretudo vendida: mercantilização do termo, onde informação passa a ser uma mercadoria, podendo ser recombinada, revendida, licenciada, obtida, armazenada etc. Informação e inteligência começam a se separar.
A informação metrificada aprofunda este processo. Aumenta a separação entre informação e inteligência: a primeira precisa ser obtida em “estado bruto” para que a segunda possa ser “extraída”. Ambos os conceitos aqui já estão diminuídos de potência e amplitude, ao mesmo tempo que tem sido considerados mais “universais” e “precisos”. Informação tem sido subdividida entre dados e a organização/factualidade/qualidade etc dos mesmos, e a inteligência como processo de classificação.
De processo para propriedade, e de propriedade para coisa; uma coisa que pode ser armazenada, transferida, modificada, criada. Uma coisa “especial” que aponta para outras, que indica como as outras coisas são, ou até mesmo uma coisa que seria a essência de todas as outras coisas.
Em cada etapa, a quantidade daquilo que se considera como “informação” se multiplica, a ponto de gerar excessos, sobrecargas, a ponto de constituir mais um tipo de poluição. Atualmente estamos neste momento de transição.
Informação é um conceito que foi alçado para além do de idéia, e portanto do de ideologia.
Ironicamente, aquilo que antes era usado para designar a formação do belo, passa a conceituar a formação daquilo que é considerado sujo, espúrio, deformado. Da forma do belo para a informação do sujo.
Dizer que informação virou, ou está virando lixo é, sobretudo, dizer que o efeito principal da informação é tendencialmente de uma munição que se atira num alvo e que produz o efeito colateral do detrito, das cápsulas usadas, do alvo destruído, das balas perdidas, do entulho, do refugo. Informação simultaneamente como rejeito do processo informacional e como produtora de detritos de vários tipos.
Esta tendência não exclui o uso da informação enquanto parte do processo do conhecimento, extraindo algum valor de “dados”/notícias/etc, mas a dificulta cada vez mais.
As palavras que continham em si a polissemia e a polivalência perdem a diversidade e passam a indicar aquilo que é pouco valorizado.
Complementando, que um resumo deste arremedo de metateoria da informação conteria os seguintes pontos principais:
Apenas uma pequena parte do Universo foi informatizada. A informação existe apenas em pequenas regiões. A informatização é um processo de marcação da e na matéria. Inclusive para as marcações feitas na (própria) mente.
O processo de “informatização” ocorre com “hospedeiros” – termo usado pelo amigo Chico para “data centers” – sugando o mundo pra dentro de si, produzindo desertos…
A teoria da informação shannoniana ofusca tanto que nos impede de pensar além.
Informação não necessariamente informa: bit (“pedaço”) é uma atomização limitante, e a primeira teoria da informação que conheço é de Walter Benjamin, inteligência e informação divergiram na dinâmica da vigilância/poluição, e nenhuma delas é sabedoria.
Este conceito prevalente de Informação se transformou numa abstração abstraída de significado, a abstração mais abstrata, a ponto de ser um invólucro que não representa nada.
A informatização está gerando uma ilusão de variedade num mundo cada vez mais padronizado e com modos de vida homogeneizados.
Este tipo de “informação” é simultaneamente a miséria da filosofia e a filosofia da miséria: colonizando o pensamento como uma entidade ontológica soberana, expulsa a pluralidade conceitual; ligada à maquinaria da dominação, produz a indigência e a destruição.
Precisamos evadir o quanto possível deste ciclo de “informação”, ou não teremos condições de trabalhar nas nossas próprias prioridades.
Importante também parar de chamar “IAs” de “Inteligências Artificiais”. É uma pequena atitude com grandes mudanças de paradigma na luta contra a colonização.
É importante tratar de problemáticas que permitam solucionáticas. As perguntas que precisamos fazer são quais são as informações e computações necessárias para que resolvamos os nossos problemas. O que requer que elenquemos e priorizemos os problemas, como por exemplo (só para nomear alguns):
Racismo.
Extermínio da população, principalmente negra.
Violência de gênero.
Encarceramento em massa.
Desigualdade social.
Catástrofe ambiental.
A crença de que “Inteligências Artificiais” devam ser usadas para a ordenar a sociedade dificilmente levará ao questionamento dos sistemas de privilégios e de exploração.
As “Inteligências Artificiais” são tecnologias muito dispendiosas e custosas para o socioambiente. Existem muitas outras técnicas menos intensivas, mais baratas, mais democráticas e que valorizam seres e ambientes, e que poderiam ser utilizadas para a solução dos nossos grandes problemas.
O conceito de inteligência precisa se referir sobretudo no campo da política, especificamente para fazer bem-viver.
Os conceitos de “Informação” e “Inteligência”, assim como quaisquer outros, não estão dados ou finalizados, apesar de toda essa dinâmica de fechamento operando sobre eles. Podem ser disputados, reconstruídos etc.
Agora é hora de sair da fôrma!