1 Apresentação
Versão 0.1.1 - 19/12/2025
O conceito prevalente de informação está à serviço da guerra e da destruição, produzindo indigência por aqueles que afirmam contribuir com a inteligência.
Como ouso pronunciar isso com tanta contundência, arriscando um disparate?
Neste trabalho, proponho uma nova abordagem teórica para a questão da informação, explicando o que, na prática, nos está sendo imposto autoritariamente.
Descobri, enquanto produzia este estudo, que o conceito de informação mais difundido hoje tende para o conceito de lixo, especialmente por conta da sua militarização: toda munição, se não vai para o museu, torna-se um escombro depois de usada para obliterar um inimigo. Bomba informacional não é mera metáfora, mas a explicação de um modo operativo.
Esta minha conclusão parece contradizer as noções correntes de informação, colocando até mesmo desafios para entender o que seria desinformação: se esta é usualmente associada com as campanhas de manipulação mental em curso, pela minha leitura a desinformação não seria um mero desvio ou má utilização do poder de comunicação, mas um aspecto indissociável da dinâmica informacional nas sociedades em guerra externa ou interna. A desinformação não seria apenas causada por ausência de informação ou por informação “incorreta”, como também pela própria disponibilidade de informação em excesso, inviabilizando o julgamento do oponente sobre o que é mais relevante e prioritário.
A desinformação é uma iniciativa militarizada, invalidando informações do inimigo, substituindo-as por outras informações, sem necessidade de lastro com acontecimentos e fenômenos, mas apenas aderência na mente de quem as recebe.
Ainda que isso tudo pareça fazer sentido, soa implausível que um conceito tão associado ao valor esteja tão próximo do detrito. “Informação” costuma ser relacionada às decisões corretas e ao acúmulo de riquezas – sejam estas tangíveis, no caso do sucesso nas finanças pela posse da “informação certa na hora certa”, sejam intangíveis, como no acúmulo de “conhecimento” a partir da “boa informação”. Também associa-se informação a poder – ter informação automaticamente implicaria num aumento de poder próprio.
Mas está cada vez mais notório que ter informação em geral significa possuir lixo, ter menos poder de ação e portanto menos riqueza. Apenas quem detém poder computacional crescente consegue filtrar o imenso monturo de informações para extrair com sucesso – ou produzir, no caso dos alvos da guerra colonial – uma pequena dose efetivamente informativa, e é isso que tem sido chamado ultimamente de “inteligência”, o que, diga-se de passagem, é uma grande redução do que inteligência pode ser… ela pode, por exemplo, ser composta por atitudes que recusem este modelo.
Tal é a tendência do regime informacional majoritário. Não começou hoje, nem mesmo nas últimas centenas de anos. Mas sua aceleração nos dá a impressão de ter surgido recentemente.
Muito menos é um imperativo inevitável. Sabemos que existem outros modos de inteligência e de relação com algo próximo do que é chamado de “informação”: maneiras de pensar, comunicar e criar que não dependam de quantidades enormes de “dados”, muito menos de aparatos computacionais cada vez mais dispendiosos e controlados por um oligopólio tendencialmente mais concentrado. A alternativa seriam os modos que valorizem o estudo, a conversa, os saberes, as generosidades e reciprocidades.
Nada disso eu digo sem conhecimento de causa. Programo computadores digitais há mais de 25 anos. De alguma maneira, também fui programado por eles. A informação seria como que a matéria prima deste meu trabalho imaterial. Constatei várias ondas e ressacas dos “devaneios do mundo conectado”, para usar o título daquele documentário de Werner Herzog1.
A experiência prática e a busca por uma constante atitude de principiante me ajudaram a intuir sobre essa dinâmica, mas meu interesse pelo assunto se consolidou somente durante um estudo dirigido, sobre cibernética, que me levou ao de informação. Me deparei com o aparentemente insondável conceito de “informação”, muito mal resolvido em qualquer texto que consultava. Percebi que precisava comprendê-lo melhor, e para isso fiz um mergulho tão fundo quanto pude. Queria entender o que fundamentalmente seria essa tal de informação, um conceito talvez já tão naturalizado que usualmente nem se define ou se questiona.
Conforme seguia o rastro de referências, percebia o quanto as definições eram vagas e desencontradas. Um monte de teorias fortes estão assentadas sobre bases fracas. Achei muito estranho e curioso: algo deveria haver aí, não parecia mera displicência de uma ou outra autoria. Estava em todo lugar.
Aquilo que começou apenas como um estudo de apoio me revelou outros aspectos, desta vez atrozes, de uma espécie de tradição informática que parece fagocitar toda a ação, especialmente o pensamento.
Tenho estudado o tema, lentamente, ao longo de alguns anos. A urgência dos tempos e dos debates, assim como a violência em que a informatização tem sido imposta, me fez compilar este texto o mais rápido que pude, em co-autoria com o Erro, uma parceria involuntária que estimula outras contribuições.
Muita coisa ficou de fora, mas também muita caiu para dentro. Muitos rabiscos à margem. Excesso de citações. Techos não traduzidos. Cadência escalafobética. Minha tentativa de rigor talvez soe como pedante e cause irritação. Muitas minúcias e argumentos podem parecer desnecessários, mas preferi neste momento pecar pela abundância de conteúdo até achar a dose certa, o que é irônico e sintomático num texto tratando dos excessos da Informação.
A primeira exposição pública sobre o tema ocorreu num debate do evento “Bifurcar: Tecnopolíticas da Retomada”2, causando muito desconforto.
Posteriormente expandidas, minhas anotações iniciais foram complementadas e publicadas nos meus Ensaios Vertiginosos3, porém o tamanho do texto mereceu um volume próprio.
Nos Ensaios agora consta apenas uma versão resumida4, e aqui está a “monografia” na íntegra, ainda em estado bruto, muito incompleta e longe do que eu gostaria, inclusive em termos literários: priorizei uma linguagem menos fluida e mais didática, porém ainda bem embolada.
Não posso garantir uma exposição informativa, daquelas que de modo rápido e indolor “agregariam” conteúdo útil, agradável e divertido, porém arrisco dizer que você não vai mais pensar sobre informação da mesma maneira após ler este texto.
1.1 Nota metodológica
Escrevi uma extensa nota metodológia no volume Um Método Arbóreo-Espiral5, onde detalho os procedimentos e os limites do meu trabalho de pesquisa e edição.