8 Invariâncias
Versão 0.1.0 - 20/12/2025
Apesar dos muitos sentidos, é possível esboçar um significado comum, uma essência ancestral mas talvez não essencial da palavra informação.
Informatio, informo: acepções ancestrais latina para os processos de formação, mas não qualquer processo. O prefixo in as distingue da palavra forma, intensificando-as. Informação seria um processo de formação intensa, particularmente de um ator tido como poderoso e ativo – no caso ocidental sexista seria o demiurgo, o homem masculino através do seu sêmen, um professor – sobre uma porção de matéria ou um ente considerado mais passivo, que receberia os “princípios ativos” necessários para adquirir a forma almejada pelo “informador”. Uma analogia contemporânea, anacrônica porém direta, seria associar essa passagem com a transmissão do “código”, ou “software”, necessário para que corpos-mentes se trasformem e funcionem de uma dada maneira90. Este in- denota não somente intensidade como também em, continência. Analogamente na culinária, quando dizemos “enformar”, colocar na fôrma. Infornação.
Intensidade e continência na formação dos corpos, na corporificação: informação trata então tanto da formação dos corpos – no caso de um processo de informar a matéria, dando uma determinada forma –, assim como da atualização dos mesmos – no caso de uma informação que chega e opera uma mudança na situação de um corpo.
“In-formação” dira respeito a processos de transformação como o da terra em uma fruta, da comida em gente etc. Não seriam quaisquer processos transformativos, mas aqueles que são muito intensos a ponto de conseguirem amalgamar uma “forma pura” com uma “matéria prima”.
É portanto um conceito antropomórfico, tal como typo vindo de typto indicando um processo artesanal de dar forma a um corpo em estado “bruto”, martelando etc a partir de um molde, de um modelo. Sendo uma martelada, ou marretada, processo intenso e vigoroso, representaria o esforço necessario para imbuir um corpo amorfo com constituição, função e propósito pré-definidos.
Neste momento talvez ainda não implicasse também numa intensidade re-formativa, de-formativa ou trans-formatida dos corpos, como converter um ser já formado em outro. Esta transmorfia já apresenta uma subversão à ordem imposta, pois abriria espaço para considerar que o intercâmbio de forma possa ocorrer sem a ajuda de um ser artífice “superior”; e que nenhum corpo estaria condenado a uma forma, função, propósito ou posição cósmica.
Tal sedição informacional ocorre posteriormente, e talvez seja concomitante ao câmbio de posição do ente ativo no processo in-formacional – por exemplo quando ele passa a ser identificado como ocorrendo na mente de uma pessoa que se informa, memoriza etc. Até o momento em que a informação é desacoplada de qualquer ente ativo ou passivo e torna-se uma entidade paradoxalmente substantivada e ativa por conta própria91. Atividade e passividade se transformam em emissão e recepção.
Contudo, a acepção de controle da formação da mente e da matéria sempre esteve embutida na palavra informação. Mesmo com todas as transformações – ou poderíamos dizer (re)in-formações – este conceito elementar permanece inalterado. Tanto nas a acepções ditas quantitativas – como a teoria de Shannon-Weaver – quanto nas chamadas qualitativas – como as teorias semânticas.
Nas quantitativas, há intenção de garantir transmissão e recepção de instruções e demais conteúdos.
Nas qualitativas, garantir transmissão de mensagens que tenham sentido, livres de ambiguidades etc.
Ao processo informacional da matéria e do corpo – o chamado “campo ontológico” em Capurro –, seguiu-se a questão de como as formas são percebidas e compreendidas pelo ser humano – o que Capurro chama de “campo epistemológico” –, especialmente para que este compreenda as instruções para viver a vida adequadamente – como por exemplo a correta aplicação das leis transmitidas por um demiurgo.
Assim, apesar de Capurro (2022)92 afirmar que não se pode considerar um modelo único que abarque toda a complexidade do conceito de informação, podemos ao menos considerar uma mistura básica oriunda do platonismo e do aristotelismo relativa a um intenso processo de formação das coisas e que transmitiria uma essência modelar, os moldes das coisas, seja para a matéria ou para a mente humana; processo este realizado ativamente por um ser dotado da capacidade de informar. Tal intensidade de formação pode ser compreendido se considerarmos o que é necessário para transformar seres: há uma intensidade necessária para transformar uma árvore em lenha, e uma intensidade muito maior para transformar a mesma árvore em ouro, ou a lenha de volta em árvore: cada processo requer informações distintas tanto em intensidade quanto em qualidade.
Arrisco então a dizer que a relação entre Informação e controle é uma invariante histórica:
Informação, primeiro conceituada como um ato (divino) de dar forma com intensidade.
Informação passa em seguida para o verbo, verbo divino (criação, leis) ou humano, dar forma pela educação e moralização.
Com a revolução trazida pela imprensa, também surge a ênfase a uma informação escrita, que seria mais confiável que a falada.
Já a dita Teoria Matemática da Informação é impulsionada pela Estadística via engenharia de telecomunicações, especialmente a eletroeletrônica, a fim de garantir e otimizar a comunicação por esse meio, desde antes dos esforços de guerra do século XX, mas intensificada por estes e posteriormente pelo mercado. A ponto do conceito de informação desta teoria ganhar ascendência sobre outras, e a informação circulante por via eletroeletrônica ganhar mais importância do que a impressa.
Essas mudanças, ou acréscimos, de significado da palavra informação também estão associadas aos seus usos e substratos tecnológicos.
Subjaz em todas essas acepções a intenção de produzir efeitos através do processo de informação. Efetividade aqui entendida como a produção de efeitos, de câmbios de forma, permitindo entender Informação também como relação entre forma e função, o que abre uma ótima brecha para nos perguntarmos sobre quem é que diz qual é a “função” de algo.
Conceber Informação relativa ao controle contempla inclusive informações “ambientais”, sem intencionalidade de efeitos e funções, já que mesmo estas estão ligadas à noção de controle: informações ambientais usadas para regular/balizar atuações efetivas. Informações territoriais, populacionais e econômicas para gerir empreendimentos como um Estado Nação, uma empresa, uma corporação. Informação sobre o Outro para fomentar ou empreender a guerra.
Não nos esqueçamos também da intensidade implícita na palavra informação, pelo seu prefixo in-. Curiosamente, informação é um conceito que vai se intensificando. Desde a palavra fōrma que significados vão se agregando, e a partir de infōrmātio e infōrmo há um acréscimo de conceitos, e aos poucos informação vai tomando conta da filosofia e da epistemologia.
Nesta longa jornada, Informação e Inteligência sempre estiveram próximas. Às vezes ambas são usadas como sinônimo para coleta de fatos a serem compilados e produzirem estudos, análises e relatórios amparando decisões executivas.
Mas hoje, no geral, Informação e Inteligência estão bem separadas. Informação e significado/sentido também. Informação se torna apenas um invólucro esvaziado, uma embalagem que é transmitida de um lugar com outro com a maior “fidelidade” possível, numa operação pragmática e alienadora.
Hoje já se consolidou uma cisão histórica entre Informação e Inteligência. Dada a quantidade enorme de informação disponível, inteligência passa a ser a capacidade de processar, filtrar, indexar, cruzar etc informações, para elaborar um produto mais “acabado” com o nome de “conhecimento”. Informações em princípio teriam um status menor do que inteligência e conhecimento.
References
Como exemplo, há a controvertida tradução e interpretação do conceito epicurista “prolepsis” – uma espécie de conhecimento inato, mas que não seria exatamente o que hoje chamamos de instinto – feita por Cícero, vide Capurro (2022) pág. 100; também em Capurro e Hjørland (2003) pág. 352 e Capurro e Hjorland (2007) pág. 156.↩︎