2 Introdução

Versão 0.0.16 - 17/12/2025

Algumas palavras soam inofensivas mas trazem em si um pesadelo. Por isso, muitos conceitos precisam ser demolidos antes de serem usados. Informação é um deles. Vamos lá?

Trataremos de informação, inteligência e apocalipse. O que uma coisa tem a ver com outra?

Contarei Uma Breve História da Informação – talvez um dos conceitos mais colonizador e colonizado – no triste enfoque eurocêntrico dos processos ditos civilizatórios, num intervalo de dois a quatro mil anos, envolvendo cerca de 300 gerações de gentes, da antiguidade até as recentes armas de destruição em massa, de narradas origens deste mundo tornado imundo até o lixo das indigências artificiais.

Trataremos do que foi, do que é e do que pode vir a ser Informação: as origens, transformações e destinos desta palavra, e como ela sempre esteve associada ao que atualmente chamaríamos de controle biológico, individual, social e maquínico.

Tentarei decifrar o “código” por detrás da “informação”, digamos assim, e mostrar como outros tipos de conceitos de informação são necessários, já que o atualmente hegemônico esta associado à guerra e à destruição.

Minha crítica tende a ser pesada e indigesta, na tentativa de que não seja absorvida pelo sistema que ela tanto critica. Abordagens mais brandas foram facilmente assimiladas no passado, numa dinâmica já apresentada em trabalho anterior6. Para uma outra história da “informação” menos perturbadora e mais tranquila, recomendo Gleick (2011).

Há um esforço ativo em parte da filosofia ocidental contemporânea de retirar qualquer carga histórica do conceito de informação, de torná-lo a-histórico e consequentemente aplicável a qualquer momento; também de universalizá-lo, para que se aplique a qualquer situação, como aponta Peters (1988)7.

A informação tem sido alçada a um conceito metafísico último, além até de matéria e energia8, talvez até de espaço ou tempo, numa realização máxima do “ideal” das teorias das ideias e das doutrina das formas, de “conhecer” aquilo que só pode ser conhecido quando é intangível para os sentidos. Também seria aderente a qualquer sistema ontológico-filosófico, além de um conceito fundamental da epistemologia9.

Trata-se de um “take over”, uma tomada de controle conceitual10:

PI [Philosophy of Information] possesses one of the most powerful conceptual vocabularies ever devised in philosophy. This is because we can rely on informational concepts whenever a complete understanding of some series of events is unavailable or unnecessary for providing an explanation. In philosophy, this means that virtually any issue can be rephrased in informational terms. This semantic power is a great advantage of PI understood as a methodology […]. It shows that we are dealing with an influential paradigm, describable in terms of an informational philosophy. But it may also be a problem, because a metaphorically pan-informational approach can lead to a dangerous equivocation, namely thinking that since any x can be described in (more or less metaphorically) informational terms, then the nature of any x is genuinely informational. And the equivocation obscures PI’s specificity as a philosophical field with its own subject. PI runs the risk of becoming synonymous with philosophy.

Isso tem ocorrido mediante um reiterado processo de desinteresse, ou mesmo invisibilização histórico-narrativa da genealogia deste termo, com uma criação de consenso tão forte que torna difícil propor modos de pensar que escapem do informacionalismo.

Necessário enfatizar que todo esse esforço resultou, no “plano teórico”, numa grande confusão do que seria “informação”. Apesar disso, na prática ocorreu uma redução conceitual da “informação” ligada principalmente à chamada “Teoria Matemática da Informação” de Shannon-Weaver sintetizada nos fins dos anos 1940.

Tal sacralização paradoxalmente também produz o efeito oposto, de aproximar o termo do que podemos entender por “poluição”, e que parece ser o pináculo conceitual desta palavra em sua trajetória colonizadora.

Daí que é preciso analisar os conceitos de informação numa perspectiva histórica e crítica, desfazendo uma espessa camada de mistificação em torno deste termo.

Este é um resgate etimológico, filosófico e metafísico dentro da tradição ocidental e eurocêntrica11, feito para que em seguida o conceito possa ser desconstruído, descolonizado, ressignificado ou mesmo destruído.

Também trataremos das mudanças na relação entre “informação” e “inteligência”, assim como mostraremos como o conceito de informação pode ser uma nova velha maneira para “ler” as mazelas do mundo12.

Tentaremos ir um pouco antes e um pouco além desta história crítica, com o amparo de estudos diversos e com a nossa própria contribuição.

A exposição a seguir será mais epifenomênica: por concisão, não trataremos de todas as “forças históricas” envolvidas, mas especialmente os efeitos delas nos conceitos abordados. A linha aqui seguida tende a ser compatível com aquela que historicamente é de chamada “materialista” – sem entrar agora no vasto tema do que é matéria, se ela existe etc – e talvez (des)construtivista – você é quem diz. Mas ela também não deixa de ser infraestrutural ao seu próprio modo, ao começar por “baixo” no campo do pensamento ao questionar alguns conceitos fundamentais. Desconstruindo-os já é possível desconstruir muita coisa, camada por camada:

  • Primeiro, retirando uma aura de mistificação sobre os conceitos de informação e inteligência. Aquilo que tem sido denominado de “informação” já não informa, e o que se chama de “inteligência artificial” está muito longe de ser algum tipo de “inteligência”. Esta aura também reduz a potência social para imaginar alternativas.
  • Em seguida, debruçando sobre os arranjos sociotécnicos concretos para constatar assimetrias, desigualdades, desperdícios etc.

Fica o convite para a leitura não-linear deste texto longo e cheio de detalhes, pulando trechos de acordo com o interesse e a curiosidade, ou apenas lendo o resumo a seguir.

References

———. 2022. Información: Contribución a una fundamentación del concepto de información basada en la etimología y la historia de las ideas. Ápeiron Ediciones. http://www.capurro.de/info.html.
———. 2008. “Trends in the Philosophy of Information”. In Philosophy of Information, 1º ed, 113–31. Handbook of the Philosophy of Science. North Holland.
Gleick, James. 2011. The Information: A History, a Theory, a Flood. Pantheon.
Peters, John Durham. 1988. “Information: Notes Toward a Critical History”. Journal of Communication Inquiry 12: 9–23. https://doi.org/10.1177/019685998801200202.
Saravá, Grupo, e Silvio Rhatto. 2024. “Em busca do inapropriável”. In Saraventos, 0.0.1 ed. Publicações Vertiginosas. https://saraventos.fluxo.info/inapropriavel.html.
Wiener, Norbert. 1961. Cybernetics: or Control and Communication in the Animal and the Machine. Second edition. MIT Press.

  1. Saravá e Rhatto (2024).↩︎

  2. Peters (1988) pág. 10.↩︎

  3. Um exemplo é a famosa passagem do cibernético Norbert Wiener,“Information is information, not matter or energy. No materialism which does not admit this can survive at the present day”, Wiener (1961) pág. 32.↩︎

  4. Capurro (2022) pág. 32.↩︎

  5. Information taking over, Floridi (2008) pág. 116.↩︎

  6. Tal como apontado no prefácio de Capurro (2022).↩︎

  7. Seguiremos a linha esquemática de Peters (1988)12, e esboçaremos alguns estágios principais do termo informação.↩︎