3 Resumização
Versão 0.0.14 - 14/12/2025
Informação virou Poluição. Inteligência virou Automação. Não estou defendendo nada disso, apenas constatando mudanças recentes dos últimos duzentos anos.
Aqui é feita uma crítica ao que se chama de “Inteligência Artificial” a partir de uma análise do que hoje mais usualmente é considerado como “Informação”.
Faço isso a partir da minha própria necessidade de entender como esses conceitos majoritários foram construídos historicamente. Foi pelo estudo da “Informação” que entendi a tendência do aumento da sua quantidade no mundo, associada a mecanismos mais e mais capazes tanto de “processá-la” quanto de “produzí-la” – dentre eles os que hoje são erroneamente chamados de “inteligências artificiais” e que basicamente consistem em procedimentos computacionais do tipo estatístico.
A compreensão de “Informação” então nos dá uma base crítica sobre “Inteligências Artificiais”.
Este estudo abrange o termo informação desde antes da sua existência e talvez até o princípio do seu fim, identificando três estágios principais:
Ignismo dos períodos clássicos, quando a “chama” da informação acende.
Iluminismo, com a ascensão da tocha do empirismo e dos dados estatísticos das burocracias estatais.
Hiperluminismo, ou Explodismo, com o incêndio pela ascendência das tecnologias informacionais.
O conceito de in-formação surge, no ocidente, com a noção de uma formação intensa.
Mas o que seria forma?
- Palavra de etimologia incerta, possivelmente oriunda do proto-indo-europeu.
- Sua origem pode haver uma relação com a atribuição de beleza.
- Usada para denotar o delineamento das coisas.
- Posteriormente associada ao calor dos fornos.
Avento a hipótese de um conteúdo implícito na palavra forma: técnica e artesania do belo; e que a forma tem uma associação com as tecnologias dos fornos, da cerâmica, da ferraria.
Uma palavra para forma já existia no latim – fōrma –, e com traduções adicionais de conceitos filosóficos gregos ela vai ganhando ainda mais corpo:
Grego Latim
τύπος (typos) \
μορφή (morfé) \
>------> fōrma
εἶδος (eidos) /
ἰδέα (idea) /
Outros conceitos relacionados são traduzidos no latim como “informação” usados para explicar processos de formação intensa e específicos:
Grego Latim
ὑποτύπωσις (hypotyposis) \
ἐντυποῦν (entypoun) \
διάταξιν (diataxin) \ infōrmo
>-> informatio
χαρακτηρισµός (charakterismos) / informis
μανθάνω (manthano) e πείθω (peitho) / ...
πρόληψις (prolepsis) /
No período ignista, tanto “Forma” quanto “Informação” designam processos de modelagem de corpos baseados nas Doutrinas das Formas associadas ao pensamento dos filósofos gregos Platão e Aristóteles mais ou menos no seguinte esquema:
Plano/dimensão \
das Formas \
\ Processo de
>-----> Formação ----> Coisas
/ Intensa
/
Matéria bruta /
O processo de formação intensa poderia envolver um ser divino (demiurgo) capaz de acessar um “Plano”13 das Formas – indisponível para pobres mortais –, e conectá-lo à matéria bruta para modelá-la e assim produzir os seres existentes. Mas também poderia envolver formas de algum modo já pré-existentes nos seres – em gerais masculinos – cujas sementes ou sêmem poderiam se desenvolver na matéria bruta, reproduzindo a forma original.
Resumidamente, tais Doutrinas das Formas tem um caráter autoritário por implicitamente associar a possibilidade de alteração das formas (transformações) apenas a seres especiais, demiúrgicos, masculinos etc, atribuindo a outros seres num papel passivo. O papel de “inteligência” neste momento parece estar associado ao ato criativo.
Já no período iluminista, as “Informação” passam a designar processos formativos ocorrendo dentro da mente humana, não necessariamente reproduzindo com fidelidade as formas efetivamente das coisas, estão mais ligadas à sensações do que aos fatos. Inteligência representaria a capacidade de dar “sentido aos sentidos”.
É o começo de um deslocamento da “Forma”, que de um plano inacessível passará a habitar a mente humana. Essa mudança está associada à dita “revolução científica” de uma época e ao pensamento dos chamados empiristas. Uma abordagem semelhante ocorreria no nível dos nascentes Estados-Nação, com a necessidade de governar vastos territórios e numerosas populações, requerendo grande quantidades de informações – é a partir da “estadística”, o estudo dos Estados, que surge a estatística enquanto ciência nomeada enquanto tal.
O processo se intensifica. O Hiperluminismo é caracterizado por um aumento ainda maior do descolamento do conceito de “informação”, que agora não necessita mais habitar nenhum lugar (nem Plano das Formas, nem mente humana): “informação” seria imaterial e existiria por si própria.
O conceito também passa por uma atomização similar à que teve a matéria nas revoluções da física e da química: seria passível de redução a uma unidade fundamental, o bit, permitindo não somente que fosse tratada como mercadoria – já que tudo aquilo quantificável pode ser transacionado – como passaria a inundar o mundo.
Inteligência então se transforma na capacidade de ingerir e processar informação, produzindo “conhecimento”. Inteligência deste tipo passa a ser mais e mais uma questão fundamental não para obter vantagens competitivas entre indivíduos e empresas, como uma questão de “Segurança Nacional”. Consequentemente, promover a desinformação ao outro passa a ser o corolário, sendo crucial processar corretamente as informações úteis e promover informações e conhecimentos inúteis, senão mesmo falsos, para os inimigos.
A Informação passa a ser um novo campo – ou espectro – das guerras e disputas contemporâneas sob as seguintes diretivas implícitas nesta dinâmica:
- Obter e processar a maior quantidade de informações, produzindo o concimento estatégico de maior valor e já pronto para a tomada de decisões.
- Obter vantagem indireta da quantidade de informações de baixo valor cada vez mais disponível – pois a existência desta pode saturar os inimigos incapazes de arcar com os custos de selecionar o que vale e o que não vale.
- Eventualmente fomentar ativamente a produção de informação de baixa valoração.
A vantagem competitiva se traduz para a maior capacidade de processamento, isto é, de computação de toda essa massa informacional; e eventualmente também da capacidade de produção de mais informação.
Trocando em miúdos, “informação” tem se tornado um novo tipo de poluição, e somente quem possuir recursos suficientes conseguirá navegar nesse mar de lixo, não sem deixar pelo caminho ainda mais detritos. As (mal)ditas “Inteligências Artificiais” estão inseridas neste contexto de produção artificializada de indigência social.
As seções a seguir detalham essa história simultaneamente longa e rápida, e que pode ser resumida através deste esquematismo:
Ignismo Iluminismo Hiperluminismo
Forma -> Informação -> Estatística -> Indigência Artificial
Notícia Privatização do "intelecto"
Dados Neocolonialismo
Vigilância
Racismo algorítmico
Poluição
Guerra
Bomba
Para não ficarmos apenas no fatalismo esquemático, também serão indicadas alternativas que nos fazem repensar e praticar novos arranjos informacionais e de disputa do que pode ser considerado como inteligência.
Daí talvez a origem do sentido atual da palavra “plano”, oriunda possivelmente geometeria para em seguida designar um roteiro para produção de algo.↩︎