10 Ofuscamento

  • Escrevo estas linhas para as pessoas viventes em 2024 em diante, a maioria provavelmente já familiarizada com os excessos informacionais.

  • Apodrecimento Cerebral (“brain rot”):

  • Semi-formação, semi-cultura, informação, desinformação (Adorno).

  • Dados versus informação: tentativas de salvamento.

    • Dado (datum, data) e dados (data); etimologia:
      • Hoad (2002) pág. 113:

        • Data como plural de datum (algo dado ou concedido).
      • Onions (1966) pág. 245.

      • “Data as Word”, Rosenberg (2018).

      • Em Capurro (2022) págs. 228-229.

    • Micro-história:
      • Dado como dado (de dar e receber).

      • Dado como o que hoje chamaríamos de variável, por exemplo em problemas de geometria.

      • Dado como algo assumido sem questionamento para fins retóricos4, como afirmações dadas de antemão, axiomas, pressupostos etc, cuja veracidade ou factualidade não é questionada, servindo como parte do dispositivo argumentativo que chega a conclusões dadas as afirmações iniciais.

    • Algumas características da noção atual de dado/dados:
      • Dados vem (ou podem ser divididos) em pedaços.

      • Dados são agregativos5: eles se acumulam.

      • Dados nem sempre são dados (no sentido de ser dado por algo/alguém e recebido por outrem), mas também podem ser obtidos, captados. Mais do que isso: a constituição dos dados não é neutra6.

      • Essas características também são comuns à informação quando considerada como um agregado de dados.

      • Ao contrário de uma impressão usual sobre uma suposta imaterialidade dos dados, quanto mais examinamos o conceito, mais material ele parece7.

    • Crítica:
      • “Dados brutos” (raw data, “dado cru”) é um oxímoro, pois qualquer dado já está “cozido” de algum modo8.

      • Data como capta, “Humanities Approaches to Graphical Display”,

        Drucker (2011).

      • “Data before the Fact”, Rosenberg (2013).

      • “Why Digital Humanists Should Emphasize Situated Data over Capta”,

        Lavin (2021).

      • “Data: Not Just Another Four-Letter Word”, Wills (2023).

      • Em Shannon e Weaver (1963) só há menção à palavra data na pág. 68 – que no trabalho original, Shannon (1948), corresponde às págs. 20 e 21; em referencia a “dados de correção” (correction data).

      • Rhatto (sd) Seção 9.5 - Dikē, em relação à chance.

      • “Data lakes”.

  • “I Hate the News”, Swartz (2006):

    • O núcleo da argumentação de Aaron Swartz:

      None of these stories have relevance to my life. Reading them may be enjoyable, but it’s an enjoyable waste of time. They will have no impact on my actions one way or another.

      I’d like to argue that following the news isn’t just a waste of time, it’s actively unhealthy. Edward Tufte notes that when he used to read the New York Times in the morning, it scrambled his brain with so many different topics that he couldn’t get any real intellectual work done the rest of the day.

      The news’s obsession with having a little bit of information on a wide variety of subjects means that it actually gets most of those subjects wrong. (One need only read the blatant errors reported in the corrections page to get some sense of the more thorough-going errors that must lie beneath them. And, indeed, anyone who has ever been in the news will tell you that the news always gets the story wrong.) Its obsession with the criminal and the deviant makes us less trusting people. Its obsession with the hurry of the day-to-day makes us less reflective thinkers. Its obsession with surfaces makes us shallow.

    • A análise é pertinente, mas vale um aparte: nossas vidas são sim impactadas, diretamente ou indiretamente, pelos assuntos e pela noticiação dos assuntos, à nossa revelia. Mas, se entrarmos no ritmo incessante das notícias e notificações, não teremos a menor condição de incidir criticamente no andar dos acontecimentos. Nossas pautas e prioridades serão sequestradas.

    • Existem outras maneiras de saber o que está acontecendo, e especialmente o que é importante saber, sem cair no dreno das notícias.

  • Informação sem lastro. Documentação digital torna difícil a comprovação sem algum lastro “físico”. Ainda mais documentação de longo prazo, considerando a possibilidade de quebra de criptosistemas.

  • Fabricação de fatos descrita em Ferreira (2024):

    • Trecho:

      Assim como a extrema-direita leu e compreendeu Gramsci (a dimensão estratégica da guerra cultural para criar a hegemonia política nos espaços de poder da sociedade civil), também parece que entendeu uma das teses axiais do historiador conservador norte-americano Daniel Boorstin: a contradição entre notícias e a indústria midiática de informações – a mídia necessita de um fluxo constante da matéria-prima das notícias, os acontecimentos. Precisa de um interminável fluxo de conteúdo para atrair anúncios, espaços publicitários etc.

      O problema é que a realidade não produz tantos acontecimentos assim. O que Boorstin revelou em seu livro “The Image: A Guide os peudo-events in America” como, dessa maneira, a mídia cria “pseudo-eventos” para corrigir essa “deficiência” da realidade – cria coletivas, debates, encontros, conferências etc. para arrancar depoimentos, controvérsias que gerem manchetes.

      Consciente dessa contradição midiática existencial, a estratégia alt-right é criar uma usina produtora de crises, a engenharia do caos - fornecer um fluxo constante de “crises”, denúncias, contra os outros e até contra si mesma […]

      Satisfazer a sede midiática por acontecimentos. Aloprar a política, acelerando o tempo dos acontecimentos para que se sintonize com o tempo midiático.

    • Comentário:

      • Não há notícia: são sempre as mesmas mazelas.

      • Há notícia: há sempre algo novo nas mesmas mazelas; novas vítimas, novos perpetradores…

  • Ciclo das notícias:

    • Grosso modo: crescente, sobrecarga, esquecimento.

    • Imprensa tenta extrair o máximo de cada notícia, até o ponto do esgotamento.

    • Então começa um novo ciclo de notícias.

    • A exaustão ocorre sem que os problemas noticiados possam ser resolvidos; se não há solução, e já nos cansamos deles, ocorre uma espécie de ressaca da notícia após o porre informacional. Os problemas noticiados só “desaparecem” do campo de atenção se substituídos por outras notícias, outros fatos escabrosos, outras sensações.

    • De modo que pulamos de um ciclo de notícias para outro, numa velocidade que impede um trabalho político de mobilização social em torno dos problemas e das possíveis mitigações, ou mesmo soluções.

  • Adentramos na Era do Atolamento Informacional.

  • Notícia e estatística:

    • A passagem da notícia para a estatística.

    • A máxima atribuída a Stálin sobre a morte de uma pessoa ser uma tragédia, a de várias estatística.

    • Aquilo que acontece tanto, é reportado tanto, que se torna difícil de lidar caso a caso, e vira estatística.

    • A náusea do excesso de notícias virando estatística fria, descolada, pasteurizada, tediosa.

  • Efeito firehose:

    • “Firehose of Falsehood” Propaganda Model, C. Paul e Matthews (2016):

      • Conceituam para criticar a Rússia (típico em se tratando da RAND Corporation), mas esse tipo de modelo parece existir em todo lugar.
    • Em Ferreira (2024):

      O “efeito Firehose”: a criação de uma espiral interpretativa até o momento em que a diferença entre verdade e mentira desaparece.

  • O conceito de “infodemia”.

  • “Alerta vermelho no ciberespaço”, Virilio (1995a) e Virilio (1995b):

    • Estamos em Agosto de 1995, e Paul Virilio acaba de publicar este pequeno grande comentário.

    • É um texto brilhante (perdoem a metáfora lumínica), e que cerca de 30 anos depois ainda é atualíssimo.

    • Vale fichá-lo, decupá-lo, comentá-lo.

    • Desde sua publicação, creio que conseguimos ir além e, ao contrário do que afirma Virilio, a informação sim é um problema tal como ela é conceituada e manipulada majoritariamente. Muitos dos problemas que ele elencam não são somente da computação, como da própria informação.

  • Desinteligência pela interrupção do pensamento, especialmente o de longo prazo. Interações e decisões cada vez mais rápidas e fragmentadas (“microdecisões”).

Bibliografia

Capurro, Rafael. 2022. Información: Contribución a una fundamentación del concepto de información basada en la etimología y la historia de las ideas. Ápeiron Ediciones. http://www.capurro.de/info.html.
Drucker, Johanna. 2011. “Humanities Approaches to Graphical Display”. DHQ: Digital Humanities Quarterly 5 (1). http://www.digitalhumanities.org/dhq/vol/5/1/000091/000091.html.
Ferreira, Wilson Roberto Vieira. 2024. “A alopragem política da Folha e as estratégias de comunicação ’alt-right’”, agosto. http://cinegnose.blogspot.com/2024/08/a-alopragem-politica-da-folha-e-as.html.
Gitelman, Lisa. 2013. "Raw Data" Is an Oxymoron. Infrastructures. The MIT Press.
Gitelman, Lisa, e Virgina Jackson. 2013. Data before the Fact. In "Raw Data" Is an Oxymoron - Introduction. Infrastructures. The MIT Press.
Hoad, T. F. 2002. The Concise Oxford Dictionary of English Etymology. Oxford University Press.
Kosmyna, Nataliya, Eugene Hauptmann, Ye Tong Yuan, Jessica Situ, Xian-Hao Liao, Ashly Vivian Beresnitzky, Iris Braunstein, e Pattie Maes. 2025. “Your Brain on ChatGPT: Accumulation of Cognitive Debt when Using an AI Assistant for Essay Writing Task”. https://arxiv.org/abs/2506.08872.
Lavin, Matthew. 2021. “Why Digital Humanists Should Emphasize Situated Data over Capta”. DHQ: Digital Humanities Quarterly 15 (2). http://www.digitalhumanities.org/dhq/vol/15/2/000556/000556.html.
Onions, C. T. 1966. The Oxford Dictionary of English Etymology. Oxford University Press.
Paul, Christopher, e Miriam Matthews. 2016. “The Russian "Firehose of Falsehood" Propaganda Model: Why It Might Work and Options to Counter It”. https://doi.org/10.7249/pe198.
Rhatto, Silvio. sd. Máquinas de Estado: Serviço Secreto, Tortura e Golpes. Vol. 3. Publicações Vertiginosas. https://cybersni.fluxo.info.
Rosenberg, Daniel. 2013. Data before the Fact. In "Raw Data" Is an Oxymoron. Infrastructures. The MIT Press.
———. 2018. “Data as Word”. Historical Studies in the Natural Sciences 48: 557–67. https://doi.org/10.1525/hsns.2018.48.5.557.
Shannon, Claude E. 1948. “A Mathematical Theory of Communication”. Bell System Technical Journal 27 (3): 379–423. https://doi.org/10.1002/j.1538-7305.1948.tb01338.x.
Shannon, Claude E., e Warren Weaver. 1963. The Mathematical Theory of Communication. University of Illinois.
Swartz, Aaron. 2006. “I Hate the News”, outubro. http://www.aaronsw.com/weblog/hatethenews.
Virilio, Paul. 1995a. “Alerte dans le cyberespace!” Le Monde Diplomatique. https://www.monde-diplomatique.fr/1995/08/VIRILIO/6578.
———. 1995b. “Red alert in cyberspace!” Radical Philosophy. https://www.radicalphilosophy.com/commentary/red-alert-in-cyberspace.
Wills, Matthew. 2023. “Data: Not Just Another Four-Letter Word”. https://daily.jstor.org/data-not-just-another-four-letter-word/.

  1. Rosenberg (2013) pág. 18.↩︎

  2. Gitelman e Jackson (2013) pág. 8.↩︎

  3. Drucker (2011); Lavin (2021).↩︎

  4. Rosenberg (2018) pág. 558.↩︎

  5. Gitelman (2013) - Introdução.↩︎